Tudo ou Nada, Luiz Eduardo Soares, 1ª edição, Rio de Janeiro-RJ: Nova Fronteira (Grupo Ediouro), 2012, 359 páginas

Professor, antropólogo e escritor, o carioca Luiz Eduardo Soares é considerado um dos maiores especialistas em segurança pública no Brasil e é co-autor dos sucessos Elite da Tropa e Elite da Tropa 2. Em Tudo ou Nada, seu mais recente livro, Soares narra uma história real em um thriller totalmente diferente.
Antes de falar sobre Tudo ou Nada, é necessário falar sobre o brasileiro Ronald Soares, que no ano de 1999 foi preso em Londres por fazer parte de uma quadrilha ligada ao tráfico internacional de drogas. Ele permaneceu preso na Inglaterra, antes de ser transferido para o Brasil e só então ser liberado, depois de acertar contas com a justiça. Atualmente leva uma vida pacata no Rio de Janeiro, bem diferente do que era antes e durante sua ligação ao tráfico.
Neste thriller psicológico, o autor narra em terceira pessoa a fascinante história de Lukas Mello, personagem inspirado em Ronald Soares. Ao longo de mais de 300 páginas, encontramos situações vividas por Lukas e que culminaram na sua entrada ao tráfico e também como foi sua reação e sua vida após ser preso em um país totalmente diferente ao nosso.
Em um dos melhores acontecimentos do livro, percebemos o plano elaborado para levar a droga que saía da Colômbia em direção à Europa, e também a diferença entre o sistema judiciários e carcerário inglês e brasileiro. Apenas nisso notamos, entre outras coisas, como são tratadas as pessoas que têm ligação com drogas em países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Mas, ao contrário do que se pode pensar, Tudo ou Nada é muito mais do que apenas os relatos de uma vida ligada ao tráfico. O livro também mostra o lado humano de Lukas Mello, que trocou o estilo hippie pelo yuppie, bem como seus sentimentos e angústias, e as vitórias e derrotas de um personagem que não sabemos se está do lado do bem ou do mal.

Assim atravessava madrugadas inteiras, cochilando como quem soluça. A manhã não trazia luz nem trégua. O tempo lhe fora roubado. A noite penetrava no dia com suas agulhas; o dia infeccionava a noite com suas tenazes. (pág. 72)”.

Sendo o primeiro thriller psicológico lido, Tudo ou Nada mostrou um estilo diferente de se escrever este gênero tão fascinante e que não demorou a se tornar um dos favoritos. Mas, ao contrário dos criminais, por exemplo, este thriller é narrado com muitas descrições, poucos diálogos e parágrafos e períodos longos. Com isso, a obra chega a se tornar cansativa em determinamos momentos, principalmente por esperar uma agilidade maior, tão comum em todos os thrillers.
Essa agilidade não só é inexistente, como nos deparamos também com a exposição de situações, dados e opiniões do autor, o que em muitas vezes são dispensáveis na história em si. Ao mesmo tempo em que esses detalhes mostram ao leitor um lado diferente do que geralmente sabemos sobre a movimentação monetária com o tráfico de drogas, eles deixam a narrativa um pouco cansativa e surge então a dúvida: isso deve ser considerado um ponto positivo ou negativo? Como esperava algo mais ágil, diria que é negativo e que poderiam ser expostos de uma maneira diferente – como na já existentes Notas do Autor -, e não na narrativa, como acontece
O que não muda nesta obra é a vontade do leitor em conhecer o desfecho do personagem principal. Aquilo que Lukas Mello vive através do tráfico não é suficiente para que se torne o antagonista da trama, enquanto que seus romances e sua relação com a família e amigos também não são suficientes para classificá-lo como protagonista. Como em nenhum momento sabemos o lado em que Lukas está, torcemos por ele e os sentimentos são despertados ao longo das páginas. Ele é sem dúvida um personagem marcante, que usou de sua inteligência e especialidade para elaborar a logísticas capaz de render milhões de libras. Lukas conquista o leitor por seu modo de pensar e por sua história, sobretudo quando se trata de relações pessoais – mãe e filhos, por exemplo –, profissionais e com as drogas, que também estão em sua vida através do consumo – o que necessitou de certo preparo para largar o vício.
A opinião sobre o livro de Luiz Eduardo Soares não pode ser totalmente favorável, mas é necessário frisar a excepcional história do personagem principal e a forma como o autor a conduz – apesar dos pormenores, a história foi muito bem contada e isso ninguém pode negar. É uma narrativa diferente, capaz de fazer o leitor compreender as vantagens e as desvantagens que pessoas como Ronald Soares encontraram ao entrar nesse mundo. O autor dá uma verdadeira aula sobre um tema tão comum, mas que infelizmente é pouco explorado pela mídia, pela população e principalmente por políticos, que pouco se importam com essa realidade. Com a leitura, poderemos entender a atual situação da sociedade e assim quem sabe encontrar formas de fazer a diferença, ainda que a extinção desse problema seja impossível.
Em uma matéria do jornal O Globo (confira aqui), foi divulgado que Ronald já está negociando para levar sua história ao cinema. Acredite: a obra pode gerar um excepcional filme, em ritmo acelerado e que mostre aquilo que particularmente esperava encontrar em Tudo ou Nada: um suspense focado na história e não em opiniões e dados, comuns em livros biográficos e não em thriller.

“A paixão cancelada resiste - incandescente - ao tempo e a tanta água. Tocando-se nela, ardem os olhos, a língua, a ponta dos dedos. Ela abrasa alguma coisa sediciosa e letal que anoiteceu em sua memória, embora o assombre. Ainda. (pág. 324)”.